Nos últimos quatro anos tenho
estudado como as empresas podem desenvolver um modelo de gestão que possa
resiliente no cenário dinamicamente instável e confuso que é o mercado
brasileiro com todas as suas particularidades. Iniciei esta jornada com o estudo
dos modelos de gestão da cenário de crise de demanda, fiz uma imersão no Hoshin
Kanri que é método de orientação e desdobramento da estratégia do Lean, estudei
o Lean Thinking, alguns métodos de inovação com destaque para o QFD
(desenvolvimento da função qualidade) e no último ano estudei estratégia e
cultura organizacional em várias vertentes. Todos estes estudos têm me levado a
crer que há uma tríade para que as empresas consigam resistir às crises e
avançar mesmo que com algumas mudanças para um futuro de sustentabilidade.
Dentre os autores que escrevem
sobre estratégia, Michael Porter é sem dúvida o mais assertivo. Ele insere seus
argumentos sem rodeios e vai no que interessa, apontando o caminho que as
organizações precisam trilhar para alcançar seus objetivos num mercado
competitivo. Seus textos mesmo que escritos há algum tempo, se tornaram
atemporais, porque sua visão é de fundamentos, onde depois se constroem outros
conceitos e métodos.
Segundo Porter o objetivo de toda
e qualquer empresa é alcançar a lucratividade máxima, não por uma questão de
ganância, mas por um senso de aproveitar ao máximo os recursos que ela emprega,
sem desperdícios. Neste ponto a estratégia encontra o Lean Thinking, para que a
concepção estratégica seja feita de forma a antecipar as possíveis perdas e
prevendo métodos para reduzir ou eliminar as causas que gerem perdas.
A receita para atingir a máxima
lucratividade, prescrevem os gestores estratégicos e seus gurus, combina
ingredientes como maximização dos recursos, eliminação de ineficiências,
melhoria da produtividade e implantação de modernas e efetivas formas de
gestão. Do que estamos falando? A resposta é simples: Lean Six Sigma! No Brasil
os movimentos pela Qualidade Total iniciaram no início dos anos 90 trazendo a transformação
através dos métodos que Deming e Juran adaptaram para reerguer o Japão após a
segunda guerra. Mas quantas empresas conseguiram manter seus programas de
qualidade num processo de melhoria contínua? Faltaram competências, engajamento
e disciplina e muito do que se aprendeu na naquela época se perdeu pelo
caminho. Depois, a partir dos anos 2000 veio o Lean e o Six Sigma que em
algumas organizações se tornou o Lean Six Sigma. Mas será que isto é
suficiente?
Segundo Michael Porter, essas
ferramentas não bastam, o professor de Harvard explicita que outros aspectos
podem levar efetivamente à conquista de uma vantagem competitiva exclusiva que
constitua um verdadeiro diferencial no setor de atuação de uma empresa. Para
Porter, existem somente duas maneiras de obter vantagem competitiva: custos
baixos e diferenciação. Esses dois conceitos formam a base de toda a estratégia
ante a concorrência possuem interações múltiplas que exigem uma abordagem
sistêmica em toda a organização. É neste ponto que nossa tríade começa a fazer
sentido, porque alcançar custos baixos em toda a cadeia é muito mais do que
simplesmente eliminar desperdícios e ineficiências operacionais, exige um
planejamento de todo o supply chain para que aspectos como custos de aquisição,
escala, prazos, etc, trabalhem a favor da composição de um custo baixo global.
Já a diferenciação pode exigir uma estrutura de inteligência de marketing que
alimente com informações corretas as áreas de inovação da organização para que
a seja gerado o valor que diferencie a empresa de seus competidores.
Tudo isto acaba exigindo
competências e análises que não podem ser vendidas como pacotes prontos, são
resultado de uma construção de médio e longo prazos. Exigindo dos líderes visão
e capacidade de investir nos múltiplos atores que irão colaborar para que o
processo de elaboração da estratégia seja eficaz. Porter diz ainda que a lucratividade de uma
companhia não depende somente do posicionamento da empresa em relação aos concorrentes,
mas também da estrutura do setor em que ela atua, com seus aspectos de interdependência
que estabelecem os canais de causa e efeito. Por isso, cabe a alta direção e
seus analistas corporativos conhecer profundamente o setor em que competem, bem
como as tendências que orientam seu futuro.
O desempenho de uma empresa está
relacionado a dois fatores: a estrutura do setor e a posição que ela ocupa
nesse segmento. Um terço do desempenho de uma companhia é influenciado pelo
primeiro fator e dois terços restantes pelo segundo. As empresas são rentáveis
em função de determinadas forças competitivas básicas que as afetam, tais como:
1. Rivalidade em relação aos concorrentes
existentes. O ritmo em que os concorrentes conseguem criar produtos, reduzindo
os preços e aumentado a publicidade, tem impacto significativo sobre a
rentabilidade do setor. Se a rivalidade nessa área for muito intensa, o
potencial de lucratividade será menor. É por isto que a inovação é tão
importante, se a organização não possui uma estrutura e um método adequado para
inovar de forma efetiva, ela estará fadada a fracassar na competição de seu
setor de atuação.
2. Ameaça de produtos ou serviços
substitutos. Uma companhia de taxi, por exemplo, poderia ver-se ameaçado por
uma empresa de TI que permite prestação do serviço por meio de uma plataforma
virtual. Esse desafio não advém de um concorrente conhecido, e sim de uma
organização que nasceu em outro segmento de mercado. Neste ponto entendemos por
que a visão sistêmica e a análise de tendências é tão importante.
3. Ameaça de novos concorrentes.
Se novas empresas puderem facilmente começar a concorrer em determinado setor,
a rentabilidade também será prejudicada. Se a inovação lhe proporciona métodos
de produção com custos mais baixos, isto se torna uma barreira para a entrada
de novos concorrentes.
4. Poder dos clientes. Um cliente
com grande poder de compra pode forçar a redução dos preços e eliminar a
rentabilidade de um negócio. Esta é uma das principais razões para inovar e
reduzir custos de produção, porque através disto há a possibilidade e abrir
novos mercados e reduzir o poder dos clientes sobre sua organização.
5. Poder de negociação dos
fornecedores. Da mesma forma, um fornecedor influente pode aumentar os preços e
fazer desaparecer o potencial de lucro de determinada atividade. Mas se a empresa
inova e começa a utilizar insumos diferentes que compõe novos produtos pode
haver um equilíbrio nesta relação.
Para apresentar um desempenho superior à média
do setor, uma empresa precisa contar com uma substancial vantagem competitiva,
que deve ser constantemente aprimorada. Convém esclarecer que essa vantagem não
significa competências básicas nem os pontos fortes e fracos de uma empresa. É
preciso muito mais rigor para identificá-la. A concorrência moderna torna muito
mais difícil manter uma vantagem, uma vez que as empresas se imitam mutuamente
a uma velocidade cada vez maior. Em decorrência disso, uma empresa tem apenas
duas formas de obter vantagens dentro de um setor:
1. Diferenciar seus produtos e serviços para
poder cobrar um preço mais elevado. Isso implica poder oferecer um valor
exclusivo a seus clientes, com base em características e tecnologias
superiores. Pode também implicar custos mais elevados, mas isso não será
importante à medida que o preço final for maior do que o custo adicional
exigido para oferecer um valor exclusivo. Por que você toma um café na
Starbucks e paga o dobro do preço por isto? Ou por que você paga por um Iphone
um valor mais elevado do que o de outros smartphones com hardware similar?
2. Ter custos mais baixos. A
empresa pode decidir transferir algumas das reduções de custo para os preços -
custos mais baixos significam margens maiores. Preços menores podem ampliar seu
mercado e fazer com que os ganhos de escala sejam maiores. Neste aspecto
entendemos por que medir e melhorar indicadores que medem a eficiência no
processo podem ser úteis. A melhoria de custos da não qualidade pode ser
obtidos por meio de projetos Six Sigma, enquanto o máximo aproveitamento dos
recursos pode ser obtidos através de análises de fluxo usando métodos do Lean.
A vantagem competitiva pode ser
entendida somente mediante a observação de toda sua cadeia de valor. Para isso,
é necessário verificar que atividades específicas proporcionam mais valor a
custo relativo menor, isto pode ser uma vantagem desde que represente o
atendimento a uma necessidade do cliente. Todo setor tem uma série de clientes
com demandas diferentes. É importante que as empresas entendam o que realmente
faz a diferença para o cliente, atividades que o cliente não percebe valor
devem ser revisadas continuamente para que seus custos estejam sob controle e
não penalizem os custos globais do produto ou serviço. Neste aspecto uma
controladoria forte, com os softwares adequados para identificar e corrigir
anomalias é muito importante. Outro ponto de grande relevância é alavancar a
máxima performance das áreas de suporte a operação. Estas áreas precisam ser
benchmarking em eficiência operacional, assim a aplicação de metodologias como
o Lean Office e o Lean Accounting podem ser muito úteis.
A literatura sobre Lean, Qualidade Total e
Seis Sigma sustentam que a qualidade é gratuita, uma vez que permite melhorar
atributos qualitativos e reduzir os custos simultaneamente. Isso pode ser
válido para uma empresa operacionalmente ineficiente, na qual há um desperdício
de recursos, mas num contexto de eficiência será preciso fazer uma opção. Se a
empresa quiser melhorar a qualidade e for eficiente do ponto de vista
operacional, deverá investir em inovação através da inteligência de marketing,
da pesquisa e do desenvolvimento, e isto em outras palavras, pode aumentar seus
custos de forma temporária, o que não é um problema, desde que a inovação traga
mais que valor investido de volta para a empresa.
Muitas empresas acreditam que a
melhor estratégia é explorar duas ou três vantagens ou competências básicas.
Mas isto pode não dar certo, visto que será muito fácil para seus concorrentes
imitá-las. Pesquisas realizadas permitiram comprovar que as organizações de
maior sucesso não obtêm sua vantagem competitiva a partir de suas competências
básicas. Essa vantagem resulta, antes, de uma série de atividades
complementares que se reforçam mutuamente. Quando uma empresa é capaz de
complementar e integrar várias atividades, como a força de vendas, o produto, o
marketing e a produção, muito dificilmente os concorrentes conseguirão
igualá-las, uma vez que já não se trata de imitar o desempenho de uma única
atividade, mas de concorrer contra um sistema. Esta é uma tarefa complexa, e
quanto mais cedo os gestores estratégicos compreenderem isto melhor, porque
poderão atuar logo para obterem os resultados. Este é o principal motivo pelo
qual o investimento nas pessoas e numa cultura organizacional forte são tão
importantes. As pessoas engajadas, competentes e disciplinadas reforçam a
cultura que orienta o sistema a construir continuamente a vantagem competitiva.
A pergunta seguinte seria: "Como
incorporar todos esses conceitos a uma estratégia que crie uma vantagem
competitiva durável?" Organizar
toda sua cadeia operacional para gerar valor a um custo competitivo é um
excelente início. Do ponto de vista da estratégia, os custos devem ser
analisados por atividade. Em cada atividade existem os chamados “cost drivers”,
fatores que determinam os custos relativos entre os concorrentes. Os dez mais
importantes são:
1. A escala,
ou seja, o tamanho da atividade em comparação com o dos concorrentes.
2. O
aprendizado, ou a capacidade de aprender durante o processo e corrigir ou
eliminar deficiências.
3. Planejamento
de vendas e da produção com um programa de utilização máxima da capacidade
instalada.
4. O
conhecimento da inter-relação entre atividades, quando o custo de uma atividade
é função não apenas daquele referente a ela, mas também de outras.
5. As inter-relações
com outras empresas, ou a possibilidade de dividir atividades com outras
empresas dentro da organização.
6. A extensão
da integração de sua cadeia operacional com outras dentro e fora da empresa.
7. Os prazos
dos compromissos ou objetivos.
8. A cultura
de custos.
9. A
localização, que afeta os custos de energia, transporte etc.
10. Os fatores
institucionais como relações governamentais, impostos e isenções.
Conhecendo o custo por atividade,
é possível analisar quais as atividades mais significativas - em termos de
custo - e o que faz com que elas sejam diferentes daquelas dos concorrentes. Um
erro muito comum é acreditar que a área de custos se resume à produção, quando
o que importa realmente é toda a cadeia de valor. Encontrar inter-relações
entre as atividades é uma forma eficaz de redução de custos. Quando se procura
obter liderança com base em custos baixos, é preciso pensar neles a cada
trimestre, a cada ano e em cada plano. Este é o principal fator que faz com que
o Lean Thinking seja imprescindível e estratégico nas organizações do século
XXI. Se sua organização não pensa Lean, se sua cultura não é Lean certamente
sua estratégia terá muitas dificuldades para ser bem-sucedida.
Para o desenvolvimento de uma
estratégia de diferenciação, é necessário escolher uma ou mais necessidades
valorizadas pelos compradores. Ao mesmo tempo, é preciso identificar quais são
as atividades da cadeia de valor que são mais importantes para obter a
diferenciação e, caso necessário, decidir-se pelo aumento do custo dessas
atividades. De outro lado, é fundamental escolher alternativas de diferenciação
que possam ser executadas a custos razoáveis, bem como controlar o custo das
atividades que não contribuem para a diferenciação. Não é proibido aumentar
custos, desde que o aumento de custos do produto e ou serviço signifique
aumentar o valor percebido pelo cliente.
O preço do Iphone saiu de US$600 para
US$1000 nos últimos dez anos, já considerando a inflação, e continua com as
vendas em alta. Por quê? Simples o cliente percebeu o aumento do valor a cada
nova versão, o que fez que com que o aumento dos preços não fosse um problema.
Certamente a Apple também aumentou suas margens, tornando-se uma empresa de
valor exponencial. Mas para que tudo isto seja possível, o processo de inovação
precisa ser eficaz, gerar valor.
Uma empresa não pode dizer, em
determinado dia: "Hoje serei líder em custos" e, no dia seguinte,
mudar de ideia e adotar uma estratégia de diferenciação. A estratégia adotada
exige continuidade e a transição deve ocorrer de forma planejada, resultado de
estudos sólidos.
Numa organização diversificada, há dois níveis
de estratégia:
1. O nível de unidade de
negócios, ou seja, a estratégia competitiva.
2. O nível corporativo, isto é, a
estratégia da empresa como um todo.
A estratégia em nível corporativo leva em
conta assuntos como o ramo de negócios no qual a empresa deve se posicionar ou
como conduzir e integrar as estratégias das diferentes unidades com as da
corporação. Já a estratégia competitiva, ou das unidades de negócios, deve
estar alinhada com a de toda a organização – caso contrário, as probabilidades
de sucesso serão muito escassas. O estrategista deve ser capaz de reconhecer
essas conexões. Estudos que foram desenvolvidos por Porter, fundamentados numa
pesquisa realizada com 33 corporações entre 1950 e 1986, demonstram que a
maioria dos projetos de diversificação fracassa. Para desenvolver uma
estratégia corporativa com sucesso, é preciso conhecer as três premissas
básicas e inquestionáveis:
1. A concorrência acontece no
nível das empresas, e não das corporações. Por esta razão, a estratégia corporativa
deve estar diretamente ligada às empresas.
2. Fazer parte de um grupo de
empresas implica custos inevitáveis para as unidades de negócios.
3. A gerência da unidade de
negócios deve submeter sua estratégia à aprovação de gestores corporativos, que
em muitos casos sabem pouco sobre o que acontece em suas operações específicos.
É preciso que haja algumas
vantagens para que uma organização procure diversificar suas atividades.
É
preciso saber exatamente quais são essas vantagens e provar que o benefício da
diversificação é superior aos custos que acarreta. A fim de formular uma estratégia
corporativa para a diversificação que contribua com algum valor para os
acionistas, é preciso passar por uma série de avaliações essenciais:
1. Teste de atratividade: o setor
deve ser estruturalmente atraente ou, no mínimo, potencialmente atraente.
Entrar num setor com estas características não é nada fácil, visto que as
barreiras são altas, os consumidores e fornecedores têm pouco poder de
negociação, os produtos e serviços são pouco ameaçados por substitutos e a
concorrência é relativamente estável.
2. Teste do custo de entrada: o
custo de entrada em novos ramos de negócios não deve pôr em risco a
rentabilidade futura. Por exemplo, a Philip Morris pagou quatro vezes o valor
das ações da Seven-Up. Basta uma conta simples para verificar que seria
impossível recuperar o investimento feito na nova aquisição, já que o
rendimento do setor precisaria quadruplicar para que houvesse algum benefício.
O resultado foi que a corporação precisou desfazer-se da empresa, colocando-a à
venda. A busca permanente de novos negócios leva os empresários a esquecer de
fazer avaliação do custo de entrada, bem como de um dado inerente à realidade:
quanto mais atraente for o novo setor, mais alto será o custo de entrada.
3. Teste de melhoria da situação:
a nova empresa precisa obter uma vantagem competitiva quando fizer parte de uma
corporação, da mesma forma que esta deverá beneficiar-se com o advento da nova
unidade de negócios.
Quando a inovação faz parte da cultura da
empresa, como por exemplo na 3M a diferenciação é quase como consequência da
dinâmica que conduz a organização. A estratégia é consistente e todos acreditam
em sua eficácia, o que gera engajamento e comprometimento com sua execução.
Quando interpretamos os estudos
de Michael Porter, baseados em pesquisas nas grandes empresas globais,
concluímos que a tríade da resiliência corporativa é realmente presente em
todas as discussões. Não há como assegurar a sustentabilidade de uma
organização sem uma efetiva integração da estratégia, do Lean e da inovação.
Bibliografia:
PORTER, Michael. Estratégia
competitiva. Elsevier Brasil, 2004.
PORTER, Michael E. Vantagem
competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.