domingo, 15 de dezembro de 2019

ESTRATÉGIA, LEAN E INOVAÇÃO - A TRIÁDE DA RESILIÊNCIA CORPORATIVA


Nos últimos quatro anos tenho estudado como as empresas podem desenvolver um modelo de gestão que possa resiliente no cenário dinamicamente instável e confuso que é o mercado brasileiro com todas as suas particularidades. Iniciei esta jornada com o estudo dos modelos de gestão da cenário de crise de demanda, fiz uma imersão no Hoshin Kanri que é método de orientação e desdobramento da estratégia do Lean, estudei o Lean Thinking, alguns métodos de inovação com destaque para o QFD (desenvolvimento da função qualidade) e no último ano estudei estratégia e cultura organizacional em várias vertentes. Todos estes estudos têm me levado a crer que há uma tríade para que as empresas consigam resistir às crises e avançar mesmo que com algumas mudanças para um futuro de sustentabilidade.

Dentre os autores que escrevem sobre estratégia, Michael Porter é sem dúvida o mais assertivo. Ele insere seus argumentos sem rodeios e vai no que interessa, apontando o caminho que as organizações precisam trilhar para alcançar seus objetivos num mercado competitivo. Seus textos mesmo que escritos há algum tempo, se tornaram atemporais, porque sua visão é de fundamentos, onde depois se constroem outros conceitos e métodos.

Segundo Porter o objetivo de toda e qualquer empresa é alcançar a lucratividade máxima, não por uma questão de ganância, mas por um senso de aproveitar ao máximo os recursos que ela emprega, sem desperdícios. Neste ponto a estratégia encontra o Lean Thinking, para que a concepção estratégica seja feita de forma a antecipar as possíveis perdas e prevendo métodos para reduzir ou eliminar as causas que gerem perdas.

A receita para atingir a máxima lucratividade, prescrevem os gestores estratégicos e seus gurus, combina ingredientes como maximização dos recursos, eliminação de ineficiências, melhoria da produtividade e implantação de modernas e efetivas formas de gestão. Do que estamos falando? A resposta é simples: Lean Six Sigma! No Brasil os movimentos pela Qualidade Total iniciaram no início dos anos 90 trazendo a transformação através dos métodos que Deming e Juran adaptaram para reerguer o Japão após a segunda guerra. Mas quantas empresas conseguiram manter seus programas de qualidade num processo de melhoria contínua? Faltaram competências, engajamento e disciplina e muito do que se aprendeu na naquela época se perdeu pelo caminho. Depois, a partir dos anos 2000 veio o Lean e o Six Sigma que em algumas organizações se tornou o Lean Six Sigma. Mas será que isto é suficiente?

Segundo Michael Porter, essas ferramentas não bastam, o professor de Harvard explicita que outros aspectos podem levar efetivamente à conquista de uma vantagem competitiva exclusiva que constitua um verdadeiro diferencial no setor de atuação de uma empresa. Para Porter, existem somente duas maneiras de obter vantagem competitiva: custos baixos e diferenciação. Esses dois conceitos formam a base de toda a estratégia ante a concorrência possuem interações múltiplas que exigem uma abordagem sistêmica em toda a organização. É neste ponto que nossa tríade começa a fazer sentido, porque alcançar custos baixos em toda a cadeia é muito mais do que simplesmente eliminar desperdícios e ineficiências operacionais, exige um planejamento de todo o supply chain para que aspectos como custos de aquisição, escala, prazos, etc, trabalhem a favor da composição de um custo baixo global. Já a diferenciação pode exigir uma estrutura de inteligência de marketing que alimente com informações corretas as áreas de inovação da organização para que a seja gerado o valor que diferencie a empresa de seus competidores.

Tudo isto acaba exigindo competências e análises que não podem ser vendidas como pacotes prontos, são resultado de uma construção de médio e longo prazos. Exigindo dos líderes visão e capacidade de investir nos múltiplos atores que irão colaborar para que o processo de elaboração da estratégia seja eficaz.  Porter diz ainda que a lucratividade de uma companhia não depende somente do posicionamento da empresa em relação aos concorrentes, mas também da estrutura do setor em que ela atua, com seus aspectos de interdependência que estabelecem os canais de causa e efeito. Por isso, cabe a alta direção e seus analistas corporativos conhecer profundamente o setor em que competem, bem como as tendências que orientam seu futuro.

O desempenho de uma empresa está relacionado a dois fatores: a estrutura do setor e a posição que ela ocupa nesse segmento. Um terço do desempenho de uma companhia é influenciado pelo primeiro fator e dois terços restantes pelo segundo. As empresas são rentáveis em função de determinadas forças competitivas básicas que as afetam, tais como:

 1. Rivalidade em relação aos concorrentes existentes. O ritmo em que os concorrentes conseguem criar produtos, reduzindo os preços e aumentado a publicidade, tem impacto significativo sobre a rentabilidade do setor. Se a rivalidade nessa área for muito intensa, o potencial de lucratividade será menor. É por isto que a inovação é tão importante, se a organização não possui uma estrutura e um método adequado para inovar de forma efetiva, ela estará fadada a fracassar na competição de seu setor de atuação.

2. Ameaça de produtos ou serviços substitutos. Uma companhia de taxi, por exemplo, poderia ver-se ameaçado por uma empresa de TI que permite prestação do serviço por meio de uma plataforma virtual. Esse desafio não advém de um concorrente conhecido, e sim de uma organização que nasceu em outro segmento de mercado. Neste ponto entendemos por que a visão sistêmica e a análise de tendências é tão importante.

3. Ameaça de novos concorrentes. Se novas empresas puderem facilmente começar a concorrer em determinado setor, a rentabilidade também será prejudicada. Se a inovação lhe proporciona métodos de produção com custos mais baixos, isto se torna uma barreira para a entrada de novos concorrentes.

4. Poder dos clientes. Um cliente com grande poder de compra pode forçar a redução dos preços e eliminar a rentabilidade de um negócio. Esta é uma das principais razões para inovar e reduzir custos de produção, porque através disto há a possibilidade e abrir novos mercados e reduzir o poder dos clientes sobre sua organização.

5. Poder de negociação dos fornecedores. Da mesma forma, um fornecedor influente pode aumentar os preços e fazer desaparecer o potencial de lucro de determinada atividade. Mas se a empresa inova e começa a utilizar insumos diferentes que compõe novos produtos pode haver um equilíbrio nesta relação.

 Para apresentar um desempenho superior à média do setor, uma empresa precisa contar com uma substancial vantagem competitiva, que deve ser constantemente aprimorada. Convém esclarecer que essa vantagem não significa competências básicas nem os pontos fortes e fracos de uma empresa. É preciso muito mais rigor para identificá-la. A concorrência moderna torna muito mais difícil manter uma vantagem, uma vez que as empresas se imitam mutuamente a uma velocidade cada vez maior. Em decorrência disso, uma empresa tem apenas duas formas de obter vantagens dentro de um setor:

 1. Diferenciar seus produtos e serviços para poder cobrar um preço mais elevado. Isso implica poder oferecer um valor exclusivo a seus clientes, com base em características e tecnologias superiores. Pode também implicar custos mais elevados, mas isso não será importante à medida que o preço final for maior do que o custo adicional exigido para oferecer um valor exclusivo. Por que você toma um café na Starbucks e paga o dobro do preço por isto? Ou por que você paga por um Iphone um valor mais elevado do que o de outros smartphones com hardware similar?

2. Ter custos mais baixos. A empresa pode decidir transferir algumas das reduções de custo para os preços - custos mais baixos significam margens maiores. Preços menores podem ampliar seu mercado e fazer com que os ganhos de escala sejam maiores. Neste aspecto entendemos por que medir e melhorar indicadores que medem a eficiência no processo podem ser úteis. A melhoria de custos da não qualidade pode ser obtidos por meio de projetos Six Sigma, enquanto o máximo aproveitamento dos recursos pode ser obtidos através de análises de fluxo usando métodos do Lean.

A vantagem competitiva pode ser entendida somente mediante a observação de toda sua cadeia de valor. Para isso, é necessário verificar que atividades específicas proporcionam mais valor a custo relativo menor, isto pode ser uma vantagem desde que represente o atendimento a uma necessidade do cliente. Todo setor tem uma série de clientes com demandas diferentes. É importante que as empresas entendam o que realmente faz a diferença para o cliente, atividades que o cliente não percebe valor devem ser revisadas continuamente para que seus custos estejam sob controle e não penalizem os custos globais do produto ou serviço. Neste aspecto uma controladoria forte, com os softwares adequados para identificar e corrigir anomalias é muito importante. Outro ponto de grande relevância é alavancar a máxima performance das áreas de suporte a operação. Estas áreas precisam ser benchmarking em eficiência operacional, assim a aplicação de metodologias como o Lean Office e o Lean Accounting podem ser muito úteis.

 A literatura sobre Lean, Qualidade Total e Seis Sigma sustentam que a qualidade é gratuita, uma vez que permite melhorar atributos qualitativos e reduzir os custos simultaneamente. Isso pode ser válido para uma empresa operacionalmente ineficiente, na qual há um desperdício de recursos, mas num contexto de eficiência será preciso fazer uma opção. Se a empresa quiser melhorar a qualidade e for eficiente do ponto de vista operacional, deverá investir em inovação através da inteligência de marketing, da pesquisa e do desenvolvimento, e isto em outras palavras, pode aumentar seus custos de forma temporária, o que não é um problema, desde que a inovação traga mais que valor investido de volta para a empresa.

Muitas empresas acreditam que a melhor estratégia é explorar duas ou três vantagens ou competências básicas. Mas isto pode não dar certo, visto que será muito fácil para seus concorrentes imitá-las. Pesquisas realizadas permitiram comprovar que as organizações de maior sucesso não obtêm sua vantagem competitiva a partir de suas competências básicas. Essa vantagem resulta, antes, de uma série de atividades complementares que se reforçam mutuamente. Quando uma empresa é capaz de complementar e integrar várias atividades, como a força de vendas, o produto, o marketing e a produção, muito dificilmente os concorrentes conseguirão igualá-las, uma vez que já não se trata de imitar o desempenho de uma única atividade, mas de concorrer contra um sistema. Esta é uma tarefa complexa, e quanto mais cedo os gestores estratégicos compreenderem isto melhor, porque poderão atuar logo para obterem os resultados. Este é o principal motivo pelo qual o investimento nas pessoas e numa cultura organizacional forte são tão importantes. As pessoas engajadas, competentes e disciplinadas reforçam a cultura que orienta o sistema a construir continuamente a vantagem competitiva.

 A pergunta seguinte seria: "Como incorporar todos esses conceitos a uma estratégia que crie uma vantagem competitiva durável?"  Organizar toda sua cadeia operacional para gerar valor a um custo competitivo é um excelente início. Do ponto de vista da estratégia, os custos devem ser analisados por atividade. Em cada atividade existem os chamados “cost drivers”, fatores que determinam os custos relativos entre os concorrentes. Os dez mais importantes são:

1. A escala, ou seja, o tamanho da atividade em comparação com o dos concorrentes.
2. O aprendizado, ou a capacidade de aprender durante o processo e corrigir ou eliminar deficiências.
3. Planejamento de vendas e da produção com um programa de utilização máxima da capacidade instalada.
4. O conhecimento da inter-relação entre atividades, quando o custo de uma atividade é função não apenas daquele referente a ela, mas também de outras.
5. As inter-relações com outras empresas, ou a possibilidade de dividir atividades com outras empresas dentro da organização.
6. A extensão da integração de sua cadeia operacional com outras dentro e fora da empresa.
7. Os prazos dos compromissos ou objetivos.
8. A cultura de custos.
9. A localização, que afeta os custos de energia, transporte etc.
10. Os fatores institucionais como relações governamentais, impostos e isenções.

Conhecendo o custo por atividade, é possível analisar quais as atividades mais significativas - em termos de custo - e o que faz com que elas sejam diferentes daquelas dos concorrentes. Um erro muito comum é acreditar que a área de custos se resume à produção, quando o que importa realmente é toda a cadeia de valor. Encontrar inter-relações entre as atividades é uma forma eficaz de redução de custos. Quando se procura obter liderança com base em custos baixos, é preciso pensar neles a cada trimestre, a cada ano e em cada plano. Este é o principal fator que faz com que o Lean Thinking seja imprescindível e estratégico nas organizações do século XXI. Se sua organização não pensa Lean, se sua cultura não é Lean certamente sua estratégia terá muitas dificuldades para ser bem-sucedida.

Para o desenvolvimento de uma estratégia de diferenciação, é necessário escolher uma ou mais necessidades valorizadas pelos compradores. Ao mesmo tempo, é preciso identificar quais são as atividades da cadeia de valor que são mais importantes para obter a diferenciação e, caso necessário, decidir-se pelo aumento do custo dessas atividades. De outro lado, é fundamental escolher alternativas de diferenciação que possam ser executadas a custos razoáveis, bem como controlar o custo das atividades que não contribuem para a diferenciação. Não é proibido aumentar custos, desde que o aumento de custos do produto e ou serviço signifique aumentar o valor percebido pelo cliente.

O preço do Iphone saiu de US$600 para US$1000 nos últimos dez anos, já considerando a inflação, e continua com as vendas em alta. Por quê? Simples o cliente percebeu o aumento do valor a cada nova versão, o que fez que com que o aumento dos preços não fosse um problema. Certamente a Apple também aumentou suas margens, tornando-se uma empresa de valor exponencial. Mas para que tudo isto seja possível, o processo de inovação precisa ser eficaz, gerar valor.
Uma empresa não pode dizer, em determinado dia: "Hoje serei líder em custos" e, no dia seguinte, mudar de ideia e adotar uma estratégia de diferenciação. A estratégia adotada exige continuidade e a transição deve ocorrer de forma planejada, resultado de estudos sólidos.

 Numa organização diversificada, há dois níveis de estratégia:

1. O nível de unidade de negócios, ou seja, a estratégia competitiva.
2. O nível corporativo, isto é, a estratégia da empresa como um todo.

 A estratégia em nível corporativo leva em conta assuntos como o ramo de negócios no qual a empresa deve se posicionar ou como conduzir e integrar as estratégias das diferentes unidades com as da corporação. Já a estratégia competitiva, ou das unidades de negócios, deve estar alinhada com a de toda a organização – caso contrário, as probabilidades de sucesso serão muito escassas. O estrategista deve ser capaz de reconhecer essas conexões. Estudos que foram desenvolvidos por Porter, fundamentados numa pesquisa realizada com 33 corporações entre 1950 e 1986, demonstram que a maioria dos projetos de diversificação fracassa. Para desenvolver uma estratégia corporativa com sucesso, é preciso conhecer as três premissas básicas e inquestionáveis:

1. A concorrência acontece no nível das empresas, e não das corporações. Por esta razão, a estratégia corporativa deve estar diretamente ligada às empresas.
2. Fazer parte de um grupo de empresas implica custos inevitáveis para as unidades de negócios.
3. A gerência da unidade de negócios deve submeter sua estratégia à aprovação de gestores corporativos, que em muitos casos sabem pouco sobre o que acontece em suas operações específicos.

É preciso que haja algumas vantagens para que uma organização procure diversificar suas atividades. 

É preciso saber exatamente quais são essas vantagens e provar que o benefício da diversificação é superior aos custos que acarreta. A fim de formular uma estratégia corporativa para a diversificação que contribua com algum valor para os acionistas, é preciso passar por uma série de avaliações essenciais:

1. Teste de atratividade: o setor deve ser estruturalmente atraente ou, no mínimo, potencialmente atraente. Entrar num setor com estas características não é nada fácil, visto que as barreiras são altas, os consumidores e fornecedores têm pouco poder de negociação, os produtos e serviços são pouco ameaçados por substitutos e a concorrência é relativamente estável.
2. Teste do custo de entrada: o custo de entrada em novos ramos de negócios não deve pôr em risco a rentabilidade futura. Por exemplo, a Philip Morris pagou quatro vezes o valor das ações da Seven-Up. Basta uma conta simples para verificar que seria impossível recuperar o investimento feito na nova aquisição, já que o rendimento do setor precisaria quadruplicar para que houvesse algum benefício. O resultado foi que a corporação precisou desfazer-se da empresa, colocando-a à venda. A busca permanente de novos negócios leva os empresários a esquecer de fazer avaliação do custo de entrada, bem como de um dado inerente à realidade: quanto mais atraente for o novo setor, mais alto será o custo de entrada.
3. Teste de melhoria da situação: a nova empresa precisa obter uma vantagem competitiva quando fizer parte de uma corporação, da mesma forma que esta deverá beneficiar-se com o advento da nova unidade de negócios.

Quando a inovação faz parte da cultura da empresa, como por exemplo na 3M a diferenciação é quase como consequência da dinâmica que conduz a organização. A estratégia é consistente e todos acreditam em sua eficácia, o que gera engajamento e comprometimento com sua execução.

Quando interpretamos os estudos de Michael Porter, baseados em pesquisas nas grandes empresas globais, concluímos que a tríade da resiliência corporativa é realmente presente em todas as discussões. Não há como assegurar a sustentabilidade de uma organização sem uma efetiva integração da estratégia, do Lean e da inovação.

Bibliografia:

PORTER, Michael. Estratégia competitiva. Elsevier Brasil, 2004.
PORTER, Michael E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1992.


A IMPORTÂNCIA DE UMA VISÃO ESTRATÉGICA INSPIRADORA

“Bons líderes de negócios criam uma visão, articulam a visão, são apaixonados por ela e a conduzem incansavelmente até obter os result...